Morreu Stan Lee, o pai do Homem-Aranha, do Thor, do Homem de Ferro, do Surfista Prateado, do Doutor Estranho, dos X-Men e de tantos outros. Quem foi leitor de gibis nas últimas cinco décadas certamente está triste.
Stanley Martin Lieber tinha 95 anos e sua morte foi anunciada nesta segunda (12), em Los Angeles, onde morava, de causa ainda não divulgada.
Mas esse filho de judeus romenos nasceu em Nova York e ambientou ali quase todos os super-heróis que criou. Há quem faça a piada que seus personagens já destruíram a cidade mais de uma centena de vezes em batalhas épicas para defender a Terra, como a mostrada na estreia da franquia “Os Vingadores”, em 2012.
Nascido em 28 de dezembro de 1922, ele já escrevia para a Timely Comics, que depois se tornaria a Marvel, antes de completar 20 anos. Atravessou os anos 1940 e 1950 com acertos e frustrações na criação de personagens, para estourar na década de 1960 e se tornar o maior autor de HQ de todos os tempos.
A carreira de Lee ganhou impulso depois de um sucesso retumbante da editora rival, DC Comics. Com Batman, Superman e Mulher-Maravilha em seu elenco, a DC reuniu um grupo de heróis que se transformou no maior vendedor de gibis nos Estados Unidos, a Liga da Justiça.
Disposto a encontrar grupos superpoderosos que fizessem frente à Liga, Lee criou o Quarteto Fantástico, em 1961, e os Vingadores, em 1963. Os dois times já exemplificam bastante o interesse do autor pela ciência. Enquanto o Quarteto é liderado pelo cientista espacial Reed Richards, os Vingadores utilizam as engenhocas boladas pelo inventor milionário Tony Stark, o Homem de Ferro.
Nessas investidas, Lee teve sucesso resgatando e reformulando personagens de quadrinhos da década de 1940. Capitão América, o príncipe submarino Namor e o Tocha Humana estavam nas bancas na época da Segunda Guerra Mundial. No caso do Tocha, mudou radicalmente o herói, criando uma versão adolescente que integrava o Quarteto.
Uma famosa apropriação cultural está na figura do poderoso Thor, deus do trovão baseado na mitologia nórdica.
Ele também soube surfar, quase literalmente, na onda da contracultura. O Surfista Prateado, um melancólico ser carregado de energia que vaga pelo cosmos sobre uma prancha voadora, introduziu a discussão de conceitos filosóficos nos balões de HQ.
Mas a maior criação de Lee é, sem dúvida, o Homem-Aranha, surgido nos quadrinhos em agosto de 1962. O personagem acentua o desejo marcante de Lee em busca de uma “humanização” dos super-heróis.
Ao contrário dos personagens da DC, que viviam em cidades imaginárias como Metrópolis ou Gotham City, as criações de Lee eram moradores de Nova York. Ele também adorava incluir personagens reais em algumas “pontas” nas histórias, de presidentes americanos a celebridades da televisão.
Peter Parker, o jovem fotógrafo que ganha poderes ao ser picado por uma aranha radioativa, tinha todos os problemas de um adolescente nova-iorquino comum. Pela primeira vez, os leitores acompanhavam um herói que sofria bullying na escola, era tímido com as garotas e tinha problemas financeiros.
Foi um marco nos quadrinhos, ainda no primeiro ano de publicação do Homem-Aranha, a aventura em que ele precisa enfrentar supervilões enquanto tenta se curar de uma forte gripe. Ele luta por sua vida enquanto espirra sem parar dentro de sua máscara.
Lee deve muito da fama a ótimos parceiros desenhistas, como Jack Kirby, com quem criou Quarteto, Thor e Hulk, entre outros, e Steve Ditko, o desenhista que inventou o icônico uniforme do Homem-Aranha.
A identidade real do Aranha também revela uma predileção de Lee, que era bolar nomes e sobrenomes com a mesma inicial. O Aranha é Peter Parker, o Demolidor é Matt Murdock, o Hulk é Bruce Banner, e por aí vai.
A grande invasão de Stan Lee no Brasil foi na segunda metade dos anos 1960, com uma combinação de dois lançamentos, nas bancas e na televisão.
A editora Ebal lançou seus heróis clássicos em três revistas: “Capitão América & Homem de Ferro”, “Hulk & Namor” e “Thor”. Pouco tempo depois, o Homem-Aranha ganhou seu título próprio.
Na TV, os desenhos animados marcaram época, com seus temas musicais de abertura com letras engraçadas em português e a utilização de imagens dos quadrinhos transportadas para a telinha. O resultado técnico era tosco, com movimentação truncada dos heróis. Os fãs brincavam dizendo que eram os “desenhos desanimados” da Marvel.
Esse desleixo com as adaptações dos personagens para outras mídias se transformou num ponto negativo da gestão de Lee na Marvel. Nos anos 1970, séries de TV sofríveis foram protagonizadas por Hulk e Homem-Aranha. No cinema, um longa do Quarteto Fantástico ficou tão ruim que foi engavetado.
Essa falta de interesse pelo potencial cinematográfico dos gibis gerou uma dispersão de personagens em produtoras diferentes. Daí os lançamentos posteriores do Homem-Aranha pela Columbia e dos X-Men pela Fox. Desde a década passada, a criação de uma produtora cuidando do universo cinematográfico Marvel organizou as aventuras dos heróis, girando em torno dos Vingadores.
Lee foi a locomotiva criativa da editora por décadas, mas suas tentativas de assumir também a administração da casa foram desastrosas. Nos últimos anos, estava num posição de “chefão emérito” da Marvel. Supervisionava projetos e se divertia em aparições rápidas nos filmes do estúdio. A cada lançamento os fãs aguardavam sua figura na tela, em pontinhas cômicas. Agora essa brincadeira acabou.
Viúvo desde o ano passado, deixa a filha Joan Celia Lee.
(Folhapress)