ENGUE Aedes aegypti: ovo do mosquito sobrevive sem água, comprova pesquisa

Embora o ambiente ideal para o desenvolvimento das larvas seja úmido e quente, pesquisadores descobriram que o mosquito tem uma estratégia que dribla a secura extrema

Ovos do Aedes aegypti podem originar larvas mesmo após longos períodos em ambiente de seca extrema, ou dessecação, de acordo com estudo publicado por pesquisadores indianos. O mosquito, transmissor de doenças como dengue, zika e chikungunya, precisa de ambiente líquido para se reproduzir. No entanto, cientistas do Instituto Ciência das Células Estaminais e Medicina Regenerativa e do Instituto Indiano de Tecnologia de Mandi descobriram que, no estado germinal, ele adquire resistência à secura, depois de 15 horas em água parada.

Essa é uma das estratégias da espécie para ocupar outras regiões além de seu habitat, as áreas de clima tropical — quente e úmido. “Nosso estudo é inicial, mas é um passo crucial para entender a reprodução do Aedes. Os ovos têm uma capacidade incrível de interromper o seu desenvolvimento até que as condições propícias regressem, permitindo-lhes habitar novos territórios”, explica Baskar Bakthavachalu, cientista do Instituto de Mandi e um dos participantes da pesquisa.

 

O Aedes aegypti vive cerca de 30 dias. Durante esse período, a fêmea põe ovos várias vezes. Em água parada, eles se transformam em larvas. Em seguida, os mosquitos passam pela fase de pupa, como se fosse um casulo, dentro do qual se tornam adultos. Em um ambiente ideal para o desenvolvimento da espécie, passam-se 10 dias entre o ovo e o estágio final. No entanto, os pesquisadores apontam no estudo, recém-publicado na PLOS Biology, que os ovos são capazes de sobreviver mais de um ano na secura, graças a uma alteração em seu metabolismo.

Peça-chave

 

Os cientistas provocaram a dessecação dos ovos de Aedes aegypti por períodos determinados, como três, sete e 21 dias. Quando reidratados, 85% dos ovos desidratados por três semanas originaram larvas idênticas àquelas com desenvolvimento ininterrupto em água. A produção de proteínas chamadas poliaminas foi considerada por eles a peça-chave para entender a resistência ao tempo seco.

 

As poliaminas são proteínas que protegem o DNA presente nas células, esclarece Emanuel Maltempi, professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “As poliaminas conseguem reter água e, como interagem com o material genético, podem atuar no desenvolvimento e sobrevivência celular. Isso acontece em condições normais da célula, mas a proteção é mais evidente sob condições de estresse.”

 

Em outras palavras, essas proteínas específicas protegem o DNA presente no ovo durante o período de dessecação, o que permite que as larvas se desenvolvam a partir do material genético salvaguardado, quando as condições voltam a ser ideais. “As poliaminas encontram-se em todos os organismos vivos. Elas regulam vários processos celulares importantes, como a comunicação entre as células, eventuais mudanças no material genético e nas proteínas”, acrescenta Baskar Bakthavachalu.

 

Para produzir as poliaminas, os cientistas perceberam que os ovos utilizam grande parte de seu estoque de gorduras, os lipídios e ácidos graxos. Em analogia com um automóvel, essas gorduras seriam a gasolina, queimada para que o carro possa andar. Do mesmo modo, na célula, essas substâncias são utilizadas para gerar energia para as atividades do metabolismo.

 

 

Expansão 

 

A resistência dos ovos do Aedes aegypti à seca permite com que ele se expanda para outras regiões, não somente as tropicais-úmidas. Com o aumento do número de mosquitos, cresce também a incidência das doenças transmitidas por ele. As Américas registraram quase 3 milhões de casos de dengue entre janeiro e junho desse ano, conforme dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). O Brasil foi líder de pessoas infectadas, com aumento de 72% de casos com relação a 2022. Foram confirmadas mais de um milhão de infecções e 769 óbitos.

 

No Distrito Federal, foram notificados 38.627 casos suspeitos de dengue ao longo deste ano, entre os quais 28.572 eram prováveis. Os dados são do Boletim Epidemiológico da Subsecretaria de Assistência à Saúde do DF, atualizados em 10 de outubro.

 

A melhor prevenção para as doenças causadas pelo Aedes é acabar com o mosquito. Como não é possível ver os ovos a olho nu, é necessário eliminar possíveis focos de reprodução, segundo Júlio Croda, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT). “Dentro de 10 dias, há um ciclo completo do mosquito. Ou seja, milhares de larvas podem se desenvolver em um mês. Não dá para as pessoas verificarem a água parada uma vez por mês. É preciso estabelecer um dia da semana e ter esse cuidado de sempre verificar a presença de larvas”, ensina.

Palavra de especialista/Busca por focos

 

“O Aedes aegypti é altamente domiciliado. A fêmea deposita ovos próximo a casas, ela não vai depositar ovos longe se tiver a possibilidade de estar perto de uma residência. É importante, assim, que as pessoas façam uma verdadeira busca de focos em suas casas: nas calhas, nos ralos, qualquer lugar que possa ter água parada pode servir de proliferação do mosquito. Ao colocar cloro na água, você pode evitar que ele se reproduza. Pode colocar também hipoclorito, água sanitária. O que importa é prestar atenção e reduzir os locais em que pode haver ovos e larvas em desenvolvimento”,

 

Antônio Bandeira, médico infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia

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