Mab111: As peculiaridades e história de Marabá mostradas por meio dos artistas Bino Sousa e Vitória Barros

Ao longo de 111 anos de história, muito além de se tornar uma cidade polo do sudeste do estado, Marabá é considerada um berço cultural e artístico, com diversas manifestações e personagens que cruzam a trajetória do município, dois deles que são expoentes da arte na cidade são a Vitória Barros e o Bino Sousa.

Natural da cidade de Araguaína, quando ainda fazia parte do estado de Goiás, Vitória Barros chegou em Marabá com cinco anos de idade. Ela conta que a arte surgiu ainda na infância, pois acredita que nesse período a criança tem uma propensão para atividades artísticas, seja com desenhos no caderno ou por meio da escrita, por exemplo.

Na adolescência, a artista fez um curso de desenho. Durante a criação do núcleo Nova Marabá, a capacitação foi importante, já que nessa época foi recrutada para trabalhar para a prefeitura e também no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), atuando com cartografia e desenhos arquitetônicos. Formada em geografia, Vitória trabalhou por 30 anos no Incra.

“Eu sempre tinha minhas artes caseiras, pintava um quadro, desenhava e eu tinha muita vontade de ser livre, leve e solta para eu me dedicar à arte. Eu tive marido, vida bem corrida, de menino, aí não deu. Então, só depois que eu me aposentei, foi que eu verdadeiramente me envolvi com arte”, explica.

 

Vitória Barros, artista plástica

 

A arte de Vitória, como ela própria destaca, é inspirada nas próprias vivências e no ambiente que envolve Marabá, como os rios que a circundam, as florestas, fauna, flora e a conscientização ambiental. O trabalho dela varia entre pinturas a óleo sobre tela e mistas sobre tela, além de intervenções urbanas, instalações e esculturas.

Entre as inspirações, ela destaca os pintores brasileiros Tarsila do Amaral, Candido Portinari, o ítalo-brasileiro Alfredo Volpi, o americano Jackson Pollock e o holandês Vincent Van Gogh.

“Meu trabalho é todo do entorno dessa beleza que é a mata ciliar porque Marabá é rodeada de água. As pessoas invadem a mata ciliar, ateiam fogo e isso me tocou muito. Eu fiz esse trabalho, que se chama Labirinto da Fauna, em que cada trabalho desse tem um animal, uma proposta de tocar as pessoas, de sensibilizar a amarem a cidade, sua periferia, seus rios porque não tem nada mais sublime, mais necessário no mundo do que água e floresta. Uma depende da outra”, ressalta.

 

 

Após a aposentadoria, Vitória abriu uma galeria de arte com o nome dela na casa que pertenceu à mãe, no bairro Novo Horizonte. As viagens com o marido pelo mundo foram um incentivo para a criação da galeria, como forma de incentivar a apreciação da arte por meio da educação.

“É um espaço criado por amor mesmo, que não tinha o intuito de ganhar dinheiro, era mais para dar vazão à minha proposta de arte e dar espaço para os outros. Eu já tinha viajado pelo mundo com meu marido, então, eu achava muito interessante chegar, principalmente naqueles países escandinavos, e ver o tanto que o povo valoriza a arte. A gente via muito professores com alunos nas ruas entrando nos museus e aquilo me chamou atenção. Chegou aqui, falei com minha irmã que faríamos uma galeria focada na educação”, afirma.

Ao longo dos mais de 20 anos da galeria, o espaço recebeu exposições de diversos artistas, incentivando artistas locais e dando oportunidades para novas expressões artísticas. Uma iniciativa importante realizada pela Galeria Vitória Barros foi a Mostra Fotográfica Ver-a-Cidade que, em 2024, chega na 14ª edição, com o tema “Entre Ruas e Rios”. O objetivo é apresentar em exposição capturas realizadas por qualquer pessoa que morem em Marabá, mostrando variadas perspectivas sobre a cidade. A mostra já conta com mais de 3 mil fotos em arquivo.

Um dos artistas que teve espaço na galeria de Vitória Barros foi Bino Sousa. Natural de Santa Inês, no Maranhão, o artista veio ainda na infância para Marabá. Aos 10 anos, começou a ter gosto pelo desenho. Aos 18, começou a trabalhar com pintura no segmento de comunicação visual. Anos depois, montou o próprio ateliê e também ministrou aulas.

 

 

Em 2005, iniciou a parceria com Vitória Barros tendo exposições coletivas e individuais na galeria. As técnicas são variadas, desde pintura a óleo, passando pela serigrafia, em pintura de quadros, murais, espaços públicos e privados. Ele também realiza trabalho de pesquisa e experimentos com grades de ferro, que contam um pouco da história arquitetônica da cidade fazendo paralelo com o ciclo do minério na região. A estética de Bino tem, como norte, os traços regionais e a riqueza natural da região.

“É um lugar que promoveu muitos artistas. Tem o Bino que é um parceiro nosso o tempo todo. O Bino é um dos artistas que eu admiro muito porque ele vive da arte, ainda mais aqui no norte porque você precisa se esforçar muito para vender teu trabalho, mostrar teu trabalho. O Bino é muralista, faz trabalho de quadro, dá aula, ele é uma pessoa que não tem preguiça, que tem uma disposição muito grande e eu acho que ele é maravilhoso”, comenta Vitória Barros.

 

 

Com o prestígio acumulado ao longo do tempo, Bino Sousa tem pinturas e murais em diversos pontos da cidade, incluindo cartões-postais como a Orla Encontro dos Rios e a pintura Marabela, com um enorme peixe Tucunaré, na Orla Sebastião Miranda, que faz sucesso em postagens nas redes sociais.

Na Orla Encontro dos Rios, há um mural de um homem carregando peixes e outro de um castanheiro, elementos que fazem parte da história econômica da cidade. Aos pés de um dos murais, Bino comenta o processo de criação.

“O mural do castanheiro fala um pouco sobre a cidade que nasceu aqui na época do ciclo da castanha. Nessa época, existiam os castanheiros que vinham para o Cabelo Seco e daqui saíam em busca da castanha e voltavam novamente. Esse painel, a pintura dele, o castanheiro, eu me inspirei em uma das obras do Domingos Nunes que é um artista que eu gosto muito daqui da cidade. As pessoas daqui do Cabelo Seco se identificaram muito com a construção desse castanheiro. Pintar em um lugar como esse onde os dois rios se encontram não tem alegria maior, satisfação maior para um artista”, pontua.

 

Bino Sousa, artista visual

 

O artista morou parte da infância no bairro Santa Rosa, na Marabá Pioneira, e quando ia para a escola fazia o percurso até a Avenida Antônio Maia para ir para o núcleo Nova Marabá. Diante do cenário, às vezes, acontecia uma parada à beira do rio para pescar, ver as castanhas chegando de barco e as crianças brincando.

“Essa visão daquele tempo, daquela época do rio, para mim, é muito viva, as crianças brincando na beira do rio, e é algo que não morreu. Até hoje, quando o rio está cheio as crianças estão pulando, ainda vê pessoas lavando roupa na beira do rio, o calor de pessoas atravessando o rio para ir à praia, todo aquele frevo. Essa relação é que me encanta, a própria canoa, os pescadores”, ressalta.

Uma de suas exposições, a “Tempo de Menino”, aborda justamente a nostalgia de momentos e ações que estão no passado e, ao mesmo tempo, reverberam na atualidade. Por ser um artista visual, Bino conta que busca observar os detalhes, as pessoas e os rios que compõem o cenário de Marabá. Para ele, ter uma obra que está nesse cenário, como o mural Marabela, é uma satisfação.

 

 

“É uma alegria porque você sabe que está modificando um espaço urbano, está fazendo parte daquela história. Então, querendo ou não, eu estou deixando algo escrito na memória da cidade. Deixar essa marca é um presente que eu devolvo para a cidade. O meu trabalho tem muito a ver com os rios, a ver com essa vida que nasce na beira do rio. Esses elementos permeiam toda a minha produção artística e acredito que as pessoas também se identificam muito com isso, com essa produção. O trabalho é muito bem apoiado nesse sentido”, afirma.

Os dois artistas entrevistados por nossa reportagem deixam as mensagens para os colegas de ofício nesse novo ciclo que inicia com o aniversário de 111 anos de Marabá.

“Tem algo que eu gosto muito de dizer para as pessoas que tudo que é bem feito é visto, é lembrado. Então, façam um trabalho bem feito que provavelmente vai ser lembrado. Outra coisa, eu acho que antes de a gente ganhar o mundo, a gente precisa ganhar nossa cidade, nosso terreno. Então, antes de pensar em fazer murais em lugares diferentes, eu penso em fazer primeiro aqui, em encantar esse lugar, encantar essas pessoas e depois, se possível, ganhar esse mundo”, indica Bino Sousa.

Já Vitória Barros deixa uma mensagem de valorização dos artistas e do que é produzido na cidade. “A mensagem que eu quero passar para os artistas, para as pessoas que amam a arte, que os artistas se comuniquem mais, se dediquem, façam uma investida no sentido de se aprimorar e de também tentar vender seu trabalho não de uma forma muito oferecida, mas valorizar, ter um discurso em relação ao seu trabalho. Que tenham uma proposta, criar uma identidade, principalmente uma identidade daqui da Amazônia, daqui do sudeste do Pará e pedir para as pessoas que gostam de arte para visitarem galerias, conversarem com os artistas, para comprarem o trabalho das pessoas, dos artistas, valorizar, porque ninguém sobrevive sem ter uma demanda do que você faz”, conclui.

 

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