O passivo socioambiental que a mineradora Vale tem deixado em Marabá foi o principal tema discutido nas duas sessões ordinárias desta terça (11) e quarta-feira (12), na Câmara Municipal de Marabá (CMM). E não houve um elogio sequer. Pelo contrário, a empresa foi “agraciada” com uma Moção em que foi declarada pelo Poder Legislativo como “persona non grata” em Marabá.
O motivo? Quem explicou inicialmente foi o vereador Ilker Moraes (MDB), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga há dois anos e meio o passivo ambiental do Projeto Salobo, que a mineradora executa no município.
Moraes revelou aos colegas que representantes da Vale chamaram os membros da CPI para uma reunião na última sexta-feira (7), quando deram uma notícia que consideraram “lamentável” na relação entre as partes. Estavam presentes, além dele, o relator Marcelo Alves (PT) e Beto Miranda (PSD), membro da referida comissão.
A Vale informou à CPI que não vai mais assinar o termo de compromisso que estava sendo firmado como forma de compensar os danos causados ao município. “A Vale causou grande prejuízo a Marabá, o maior que esta cidade já viu. E a ‘Cfemzinha’, com R$ 8 milhões, não é nada,” comparou ele.
Na avaliação do Moraes, o fato da Vale nunca ter asfaltado a Estrada do Rio Preto, ligando a cidade de Marabá ao Projeto Salobo, é um prejuízo sem precedentes para a comunidade local.
Ele disse que, no início deste ano, a mineradora argumentou que não poderia assinar o termo de compromisso em 2024 em função do período eleitoral. “Agora, jogaram a responsabilidade para o Ministério Público Estadual (MPPA), que não estaria de acordo com os termos do convênio,” criticou Ilker Moraes.
Por causa disso, a Câmara está agendando para esta semana um diálogo com a promotora do Meio Ambiente, Josélia Leontina de Barros, visando entender o que está acontecendo. “Não acredito que o MPPA, em reunião com a Vale, tenha orientado para não assinar um termo de compromisso com o município de Marabá,” disse o presidente da CPI.
Moraes pediu união de todos os membros do parlamento sobre essa demanda para que a Vale respeite a Câmara, os vereadores e a sociedade marabaense. Inclusive, na sessão desta quarta, ele pediu prorrogação de prazo até 15 de dezembro para que a CPI da Vale continue investigando e apresente relatórios. “Até esta data, a Vale terá problema com a CPI. Não vamos abrir mão desse direito. Chegou o momento de dizer para a Vale que não suportamos mais esse tratamento”, desabafou.
Ele afirmou também que, caso essa pauta não seja retomada e haja avanços, a Câmara de Marabá vai convocar o presidente da Vale para se explicar sobre os passivos socioambientais deixados pela mineradora no município.
“Nossa vontade é de traduzir o relatório da CPI para o inglês e distribuir pelo mundo, na véspera da COP 30, mostrando o que a Vale faz na Amazônia. Os investidores da Vale precisam saber o que essa empresa faz aqui,” anunciou.
VALE SÓ NO “ENROLATION”
Na visão do presidente da Câmara Municipal, Alecio Stringari (PDT), o Projeto Salobo deveria ser a “galinha dos ovos de ouro” para Marabá e tem sido uma decepção. Segundo ele, a Vale triplicou a produção com o Salobo 3 e continua achando que não deve nada para o município: “Ninguém sabe quanto se tira de ouro desse projeto. Estamos pagando um preço caro pelo caos que a Vale tem deixado em Marabá”.
Stringari elogiou o trabalho da CPI ao longo de dois anos e meio, mas pondera que a Vale está tratando Marabá no “enrolation” e que é preciso pressionar a mineradora por respeito ao município.
O vereador Marcelo Alves, que também esteve presente à reunião com os executivos da Vale na semana passada, disse que os representantes da mineradora estão transferindo a responsabilidade para o Ministério Público Estadual. “A Vale estava propondo assinar termo para repassar R$ 110 milhões para Marabá. Mas depois disse que não poderia mais porque a doutora Josélia mandou não assinar nada. Passamos dois anos trabalhando para não dar em nada? Seria essa uma briga de ego entre poderes?”, questionou.
Segundo o relator, o povo de Marabá está esperando pela solução desse caso e o resultado da CPI. Ele lembra que o papel do Ministério Público é investigar a aplicação dos recursos públicos e não impedir que eles cheguem. “Estamos indignados com essa resposta pífia por parte da Vale e vamos continuar investigando os passivos socioambientais do Projeto Salobo, não outra pauta,” garantiu.
O relator destacou que as estimativas apontam que a Vale deve cerca de R$ 500 milhões para Marabá por não pagar pelo ouro garimpado pela empresa em território marabaense. “A descoberta do ouro dentro do cobre é muito séria e vamos escavar ainda mais esse negócio,” avisou.
AÇÃO MAIS RADICAL
A vereadora Vanda Américo (UB), que tem três décadas de atuação como parlamentar, lembrou como a Câmara liderou movimentos históricos de pressão contra a mineradora Vale, inclusive com a ocupação da ferrovia para garantir o Projeto Salobo em Marabá.
“Sempre condenei a saída do Salobo por Parauapebas e alertei que as compensações não viriam. O Salobo foi a única mina que ficou para Marabá e estão na terceira fase e a Vale sempre vem enrolando. Essa é uma prática da Vale, que assina TAC [Termo de Ajuste de Conduta], se compromete e não cumpre. Nesse momento, a política está se repetindo. Enquanto não tivermos uma ação mais radical, contundente, a Vale não vai respeitar. Quem sofre com esse equívoco é o povo de Marabá”, disse Vanda.
O vereador Márcio do São Félix (PSDB) defende que negociações com a Vale tenham sempre o Poder Legislativo no meio para que haja negociação mais ampla com a mineradora: “Há omissão do Poder Executivo, do estado e do município, em não travar os projetos da Vale para que a mineradora dê suporte ao município”.
Pedrinho Corrêa (DEM) mostrou-se indignado com a postura da Vale. “Passei seis anos como presidente da Casa. Sentamos com a diretoria da Vale e apresentavam projetos de investimentos para Marabá. Toda vez que estava para ser realizado, mudavam a direção da empresa,” lamenta.
Todavia, segundo ele, a Vale não vai tirar a força da Câmara em brigar por Marabá contra a mineradora: “Tenho certeza que vocês, membros da CPI, não vão desistir, porque o passivo da Vale com esta cidade é muito grande”.
Para o vereador Beto Miranda, a Vale é “mentirosa”, causa muitos danos ao meio ambiente e destruiu 1.200 castanheiras para construir o Salobo III. Ele acredita que a mineradora tem de ser extirpada do Pará. “Há muitas outras empresas para quem podemos vender nosso minério. A Vale extrai ouro do Salobo, mas nega e vende e ganha tudo em cima de Marabá. Espero que um dia o povo se revolte e destrua os trilhos da ferrovia, porque ela deve muito para nosso município,” disse.
Mas o que é “persona non grata”?
O termo “persona non grata” é uma expressão latina que significa “pessoa não bem-vinda”. Originariamente utilizado no contexto diplomático, se refere a alguém que, por suas ações ou comportamento, acabou se tornando indesejável para um governo, organização ou cidade.
Quando uma pessoa ou empresa é declarada persona non grata, ela frequentemente perde certos privilégios ou direitos, podendo inclusive ser obrigada a deixar um país.
No âmbito político, a declaração de uma pessoa como persona non grata é um instrumento usado por governos para expressar desaprovação a ações de diplomatas ou representantes estrangeiros, sem necessariamente romper relações diplomáticas.
A Vale enviou a seguinte nota sobre o tema:
“A Vale reafirma seu compromisso com investimentos para o desenvolvimento de Marabá, conforme demandas apontadas pela Câmara Municipal. As discussões sobre os investimentos permanecerão nos próximos meses, devendo ser finalizadas após o período de vedação eleitoral, em observância às orientações em diálogo com o Ministério Público do Estado do Pará. A Vale continua à disposição do legislativo municipal para prestar esclarecimentos aos membros da CPI sempre que requisitada”.
Com Informações : do site Zé Dudu