É inevitável, para quem chega à Orla Sebastião Miranda e toma a escadaria que leva aos barcos que fazem à travessia para a Praia do Tucunaré, ficar boquiaberto com o mural que homenageia Marabá – ou Marabela – neste veraneio de 2025. O olhar é de admiração, e o ato seguinte é tirar uma selfie diante da obra do artista plástico Bino Sousa, autor do painel e um dos maiores nomes das artes visuais da atualidade na Terra de Francisco Coelho.
Em entrevista exclusiva ao Zeca News, Bino, que é maranhense de Santa Inês, mas que também se tornou marabaense muito cedo, aos 6 anos de idade, fala da sua mais nova obra:
Zeca News – Como surgiu esse projeto e o que ele representa?
Bino Sousa – Olha, essa nova arte é cheia de representatividades. É um verdadeiro presente mesmo para a cidade de Marabá. É um projeto que já estava engavetado aí havia dois anos, e mmas mas mas as nós conseguimos agora realizar junto com a Prefeitura Municipal de Marabá.
ZN – Você pode falar de cada detalhe, de cada elemento que compõe o mural?
Bino – É o seguinte: vamos lá para cada detalhe, né? Nós temos, como plano de fundo o pôr do sol, com os tons bem exuberantes, com cores quentes e tem também um pouco de azul e lilás, em cima, que dá um diferencial nesse pôr do sol que é nosso. Nós temos também o grafismo indígena, feito com tom escuro, acima do pôr do sol. Esse grafismo traz essa representação das nossas origens aqui e, inclusive, dos nossos indígenas que ainda permanecem na nossa região. Nós temos também esses desenhos feitos com branco né? Que são também uma espécie de grafismo onde tem a folha da castanheira, que é o símbolo maior da nossa cidade, que está no nosso brasão. Tem também flores e outros arabescos dentro dessa mesma parte e, na parte de cima, como item principal a gente tem as nossas canoas, que, por si só na sua estética, como objeto em si, no seu design, já têm uma beleza fora do comum. Eu percebo bastante isso quando eu saio de Marabá, porque em todo canto que eu vou as canoas têm um design diferente, um formato diferente, de acordo com a região, de acordo com a água. Seja uma água meio ali de mar misturado com rio, a estrutura dela é mais pesada. Aas canoas da região ali do Amazonas, do Rio Trombetas, do Rio Negro, têm uma estrutura um pouco mais fornida. E as nossas são bem características, aqui mesmo do Rio Tocantins, do Rio Itacaiunas, também do Rio Araguaia, elas são bem semelhantes as nossas canoas, mas também têm suas particularidades.
ZN – Que particularidades são essas?
Bino – Essas canoas que estão aí [no painel], por sinal, são todas canoas que já atravessaram o rio, canoas que já pescaram, canoas que já, enfim, têm a própria história, porque foram canoas que eu comprei dos próprios ribeirinhos, dos pescadores. Eu negociei com eles. E colocamos essas canoas. Não fiz questão de colocar canoas novas. As canoas tinham de ser canoas cheias de identidade. Tanto que os vendedores dessas canoas se identificam muito com isso, muitos deles já me mandaram mensagem, me ligaram agradecendo, dizendo que que gostaram muito. A princípio, quando eu fiz a proposta da compra, eles acharam estranho, mas depois, agora, depois que viram tudo pronto, eles aplaudiram bastante e se sentiram representados. Então, a canoa vem com essa força de uma cidade banhada por dois rios, que teve um ali um início todo pautado nessa questão do rio mesmo e que, para mim, como artista visual e como alguém que veio pra Marabá muito pequeno e andei muito tempo naquela beira de rio, pesquei, vendi chope, cresci ali na beira do Tocantins, tenho muito boas lembranças a partir dessas canoas.
ZN – O que mais você destaca no painel?
Bino – Outra coisa muito importante também é a fonte [tipo de letra]. Essa fonte [com] que foi escrita a palavra Marabela não é uma fonte qualquer. É uma fonte que está se tornando cada vez mais amazônica, é uma fonte que a gente chama aqui na Região Norte como “letra de abridor’. Que são as letras com que aqui os pintores, abridores de letras, fazem naqueles barcos, nas grandes embarcações que vão de Belém pra Manaus, pra Santarém. Então é muito utilizado esse tipo de letra que, quanto mais cheia de arabescos, de sombra, de detalhes, quanto mais é feita dessa forma, mais chama atenção e mais ela se identifica como esse tipo de fonte. Eu também fiz questão de usar ela pra ainda trazer mais referências pra esse mural. E com relação à descrição, das ideias, das inspirações pro mural são essas aí. Mas claro que isso é um olhar meu. Depois que a gente faz um trabalho artístico ele fica aberto a diversas interpretações, da forma como o público quer ler, quer se encontrar, quer se identificar dentro de cada representação, certo?
ZN – O que mais você considera relevante nesse trabalho?
Bino – Outra coisa, também com bastante relevância, é a palavra Marabela, que a princípio eu pensei em tirar, mas eu falei “não, não tem como tirar porque ela já faz parte daquele mural é a própria cidade em si”. Essa palavra, Marabela, é uma palavra que intitula um poema da professora doutora Eliane Soares, aqui da Unifesspa. Ela fez esse poema há bastante tempo [no ano de 2000] e nós, juntos, já a usamos várias vezes, eu sempre contando com a ajuda dela, pedindo autorização para usar essa palavra porque está num poema dela e foi ela a primeira pessoa que colocou esse nome. E, dessa vez, ela ficou muito satisfeita porque eu coloquei até um trecho, um pedacinho do poema dela está lá na canoa principal. Então, isso tem uma relevância muito grande para esse espaço, para essa palavra.
ZN – Em que outros momentos o teu trabalho artístico contribuiu com o embelezamento e com a cultura da cidade?
Bino – Desde o momento em que eu iniciei os meus trabalhos, de verdade, murais na cidade ou as minhas primeiras exposições. Fiz diversas exposições artísticas na Galeria Vitória Barros, na Casa da Cultura e até mesmo em Belém. E todos esses meus trabalhos eles sempre foram pautados nessa regionalidade marabaense, nortista, que eu gosto muito, que eu abraço, é uma causa que eu gosto mesmo, tá entranhada no meu pensamento, no que eu acho que é bonito, é belo, da nossa Amazônia. E eu trabalho com pintura desde os 20 anos. Eu me encontrei no trabalho regional. Em fazer um trabalho regional, despreocupado com o lado comercial e mais voltado para a elevação da questão cultural. De 2014 em diante eu meio que me encontrei nesse sentido. E todos os trabalhos que eu passei a fazer tinham essa causa, de engrandecimento da nossa região. E daí foram diversas exposições. Os primeiros murais que eu fiz, principalmente os primeiros, tinham uma carga muito grande de regionalismo. Os murais que eu deixo espalhado nas escolas – tem dezenas de escolas na cidade, todas elas com os murais – são sempre trazendo essa representação e, enfim, diversas oficinas que eu já fiz também, todas elas sempre trazem a questão da regionalidade, a questão da importância da identidade, de onde a gente vive e o quanto isso faz sentido pra outras pessoas que chegam ou pessoas que passam, né? Ou até mesmo pessoas que estão em outros locais e acabam conhecendo um pouco mais da nossa cidade e sentindo vontade de visitar e de estar aqui.